Vestibular indígena da Unicamp tem 26,6% dos matriculados aprovados em 1 disciplina no 1º semestre

Vestibular indígena da Unicamp tem 26,6% dos matriculados aprovados em 1 disciplina no 1º semestre

Do total de 63 aprovados este ano, três desistiram da vaga, 44 foram aprovados em até oito disciplinas e 16, em uma. Prova do segundo vestibular indígena será no próximo domingo (1). Jaraky Kuikuro, de 30 anos, deixou aldeia no Alto Xingu (MT) para cursar letras na Unicamp, em Campinas.

Arquivo pessoal/Jaraky Kuikuro

Adaptações de cultura, língua portuguesa, moradia e outras necessidades diante do sonho de cursar a Unicamp. Das 72 vagas abertas este ano, o primeiro vestibular indígena teve 63 aprovados, sendo que três desistiram das vagas por motivos pessoais. Dos 60, distribuídos em cursos variados, 26,6%, ou 16 deles, foram aprovados em apenas uma disciplina no primeiro semestre.

O restante dos estudantes conseguiu ir bem em até oito disciplinas. O Jaraky Kuikuro, de 30 anos, saiu da sua aldeia no Alto Xingu, Mato Grosso, pela primeira vez para cursar letras em Campinas (SP). Começou o ano com sete disciplinas, foi reprovado em duas.

"No primeiro semestre, peguei sete matérias e foi muito difícil, muita coisa para fazer. A língua portuguesa é a segunda língua pra mim, foi muito difícil. Aprendi muitas coisas nessas matérias. No início fiquei muito perdido, mas no final percebi que me desenvolvi um pouco".

Já no segundo semestre, das nove disciplinas que se inscreveu, o estudante precisou trancar duas por conta do volume de atividades. Para ajudar com o português, ele faz aulas de apoio na universidade.

A diferença do ensino básico entre indígenas e os demais universitários foi outra dificuldade dos aprovados, pontuada por Naldo Tukano, de 28 anos, que morava em São Gabriel da Cachoeira (AM). Ele cursa linguística e foi aprovado em sete matérias no primeiro semestre, mas reconhece a dificuldade dos colegas.

"Um problema do ensino público, o ensino é precário para nós. Você tem que vir mais preparado. A universidade é um passo muito maior. A maioria veio de escolas indígenas, onde a realidade de ensino é totalmente diferente", conta.

Naldo Tukano, de 28 anos, cursa linguística na Unicamp, em Campinas. Ele morava em São Gabriel da Cachoeira (AM).

Arquivo pessoal/Naldo Tukano

O processo seletivo de 2019 aprovou o equivalente a 23 etnias. Pró-reitora de graduação, Eliana Martorano Amaral destaca que a universidade se mobiliza para oferecer programas e atividades acadêmicas de inclusão desses estudantes, como disciplinas de reforço em português e matemática, além de um acompanhamento individual feito pela equipe de orientação pedagógica.

"Os que tiveram dificuldades acadêmicas, como os que tiveram desempenho em uma disciplina, na orientação pedagógica demos a orientação para que eles se concentrassem nas disciplinas que eles entenderam que teriam melhor desempenho. Estrategicamente, essa foi uma decisão individual, mas orientada pela pedagoga".

"O grupo que está tendo maiores dificuldades não é muito diferente do grupo dos outros alunos que têm dificuldades. Temos alunos que estão muito bem, e outros que estão com dificuldades e que a gente está dando o maior apoio possível", completa.

Algumas das dificuldades dos alunos indígenas

Leitura de textos de humanas muito densos foi muito difícil: "o arcabouço da linguagem para eles é um problema, a não compreensão do português. O conhecimento que eles têm não é um conhecimento que ajude ou facilite em ler textos muito densos" afirma a pró-reitora.

Conhecimento de matemática: "sabemos que está muito aquém do necessário até o ensino médio, mas como todos os alunos da universidade da área de exatas."

Área tecnológica: "as disciplinas se igualam as engenharias e exatas."

Área da saúde: "dificuldade podem até não ser de leitura, mas são mais as dificuldades de adaptação cultural com os nossos pressupostos de saúde. Como a aula de anatomia, ver peças".

Pró-reitora de graduação da Unicamp Eliana Martorano Amaral.

Patrícia Teixeira/G1

O universitário Naldo Tukano acredita que o melhor é ir aos poucos para entrar no ritmo da Unicamp.

"Não tentar exagerar no número de disciplinas para poder ir se adaptando, para depois encontrar seu próprio ritmo".

Áreas escolhidas

A área de humanas foi escolhida por Naldo Tukano, Jaraky Kuikuro e outros 38 estudantes indígenas que permaneceram na instituição em 2019. Veja a distribuição dos aprovados abaixo:

Divisão dos aprovados no 1º Vestibular Indígena da Unicamp

Objetivo é maior que desafio

A oportunidade de ter mais indígenas na Unicamp com o vestibular dedicado a eles agrega valor para toda a comunidade universitária. Um programa os integra como bolsistas, com orientação de professores, para discussões da temática indígena no Congresso Nacional e também sobre a língua das etnias, por exemplo.

"A gente veio para afirmar a nossa ciência, a nossa forma de civilização, temos a nossa forma de sobrevivência e isso foi negado por anos. Nós somos povos civilizados e queremos ser afirmados como tal, a ciência , a cultura. Quebrar totalmente esses estereótipos que existem no Brasil e no mundo", ressalta Tukano.

O jovem vem de outra universidade, já cursava linguística na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), mas decidiu tentar vaga na Unicamp por conta de "pesquisas mais avançadas". Quer unir tecnologia com as diversas línguas dos povos indígenas.

"Quero trabalhar com tecnologia, com aplicativos, para inserir a língua que falo, o tukano e ye‘pá nahsã, no Google tradutor e outras tecnologias que atualmente já existem no país e no mundo".

Naldo Tukano, de 28 anos, foi aprovado no vestibular indígena da Unicamp e pretende trabalhar com tecnologia.

Arquivo pessoal/Naldo Tukano

1.675 disputam vagas em 2020

Para o vestibular 2020, a segunda edição da seleção indígena, 1.675 inscrições foram registradas, um aumento de 174% em relação ao número de candidatos da primeira edição (610). O número de vagas abertas também teve alta, de 72 para 96. A prova acontece no próximo domingo (1).

"Está começando, é uma experiência nova para a universidade. Nós temos que fazer a nossa parte como indígena, afirmar a temática indígena na universidade, falar sobre a diversidade, quebrar o estereótipo da forma que as pessoas reproduzem os indígenas. Não somos só uma pessoa, somos mais de 300 povos diferentes", conta Naldo Tukano.

O G1 acompanhou o processo de aplicação de provas no fim do ano passado na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), a primeira cidade brasileira a instituir línguas indígenas como oficiais e uma das maiores do Brasil em extensão. Segundo a pró-reitora, mais da metade dos aprovados veio do município.

"Para a próxima turma de quase 100 alunos, o que a gente entende é que o caminho está mais fácil para todos, a instituição já se acostumou com essa chegada deles em grupo, vão ter o apoio dos veteranos e a gente acredita que a trajetória será muito mais tranquila", afirma Eliana.

10 cursos mais procurados em 2019:

Enfermagem – Integral; Administração (Noturno)

Farmácia (Integral)

Administração Pública (Noturno)

Engenharia Elétrica (Integral)

Pedagogia (Integral)

Engenharia de Produção (Integral)

Arquitetura e Urbanismo (Noturno)

Engenharia Agrícola (Integral)

Engenharia Elétrica (Noturno)

Ciência do Esporte (Integral)

Novos cursos serão opções para 2020:

Ciências Biológicas (integral e noturno)

Educação Física (integral e noturno)

Engenharia de Alimentos (integral e noturno)

Engenharia de Telecomunicações (integral)

Engenharia de Transportes (noturno)

Sistemas de Informação (integral)

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (noturno)

Prova do 1º Vestibular Indígena da Unicamp em Manaus

Lana Torres / G1

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