Estudo aponta que bactéria presente na água agrava casos de microcefalia causados pela zika

Estudo aponta que bactéria presente na água agrava casos de microcefalia causados pela zika

Nordeste não foi a região que teve a maioria dos casos de infecção pelo vírus da zika, mas concentrou 88,4% dos casos de mal formação de cérebro de bebês. Mosquito Aedes aegypti é o tranmissor da zika, dengue e chikungunya.

LM Otero/Arquivo/AP Photo

O vírus da zika atingiu 144 mil pessoas em todo o Brasil, incluindo 12 mil mulheres grávidas. Pesquisas mostraram que a doença também causou mais de 3 mil casos de mal formação em bebês que nasceram de mulheres que tiveram a doença durante a gravidez. Um estudo realizado no interior de Pernambuco e no Rio de Janeiro apontam uma relação entre os casos de microcefalia associados ao vírus e toxinas presentes na água.

A investigação da possível relação entre o vírus da zika com a mal formação teve início após ser realizada uma análise de um caso ocorrido em 1996 conhecido como "Tragédia da Hemodiálise", que deixou 60 mortos em Caruaru, no Agreste pernambucano.

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Reprodução/ TV Asa Branca

Há 23 anos, a vida de 126 famílias de Caruaru e de municípios vizinhos foi marcada pela tragédia. A qualidade da água usada na filtragem do sangue dos pacientes foi apontada como a causa das 60 mortes. A conclusão foi que as pessoas foram intoxicadas pela microcistina, liberadas pelas cianobactérias, conforme informou a Secretaria de Saúde de Pernambuco.

"Não é exclusividade do Brasil, tem cianobactérias no mundo inteiro. Agora elas aparecem mais nos locais onde tem um tratamento de esgoto, porque o esgoto é rico em nutrientes e esses nutrientes funcionam como fertilizantes", disse o biólogo Renato Molica, que dá aulas na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), campus Garanhuns.

A suspeita da relação entre a microcefalia causada pela zika e a bactéria presente na água foi testada em um laboratório do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Neste caso, a toxina analisada foi a saxitoxina, que também é produzida por cianobactérias.

Cobaias grávidas foram infectadas com o vírus da zika, algumas fêmeas também tomaram água com uma quantidade de toxina 200 vezes menor do que o considerado aceitável pelo Ministério da Saúde. Em todos os casos, os filhotes nascidos mostraram problemas de mal formação, mas as fêmeas que tomaram a água contaminada tiveram crias com casos muito mais graves de microcefalia.

"A gente mostrou que essas toxinas facilitam, por algum motivo que a gente não entende ainda, a chegada do zika até o cérebro", destacou a professora da UFRJ, Patrícia Garcez. A equipe do biólogo Stevens Rehen, do Instituto D'Or e da UFRJ, usou células da pele para criar minicérebros, que são aglomerados de células nervosas humanas. Esses organoides contêm até seis milhões de neurônios.

"O que a gente observou foi que no caso em que havia os dois fatores infectando, contaminando o tecido cerebral humano, a quantidade de morte celular, que é um indicador da toxidade do vírus, era muito maior. O que acontece é o seguinte: você tem uma população sensível, sucetível, que tem como única fonte de água uma água muito rica em microalgas e cianobactérias", ressaltou Stevens.

A epidemia de zika de 2016 coincidiu com a maior seca que atingiu o Nordeste nos últimos 100 anos. Com isso, a água nos reservatórios nordestinos diminuiu. A pouca água nas barragens resultou em uma maior concentração de toxinas.

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Divulgação/Compesa

Segundo Renato Molica, a presença de cianobactérias nos reservatórios de água do Nordeste é comum por causa de problemas causados pela falta de saneamento. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, na região apenas 26,87% da população tem coleta de esgoto. Por isso, Renato acredita que a solução seja rever os limites da segurança da toxina na água estabelecidos pelo Ministério da Saúde.

"O que era seguro para consumo da água hoje em dia potencializa a ação de um vírus", Renato Molica.

"É isso o que a nossa ciência está propondo: uma reflexão sobre os níveis considerados seguros e aceitáveis de contaminantes associados a cianobactérias na água", pontuou Stevens Rehen.

A Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), responsável pelo tratamento da água no estado, diz que segue os padrões de qualidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde e que desde o caso da hemodiálise fornece água à população dentro dos limites exigidos de toxinas.

O Ministério da Saúde afirma que o resultado da pesquisa com camundongos não pode ser relacionado a efeitos em humanos. E classificou a quantidade de toxinas aplicadas nas cobaias como "extremamente altas".

"Esse é um estudo longo, que vai demandar uma discussão ampla com outros setores, principalmente com a Anvisa. Esse é o início de uma caminhada para a gente aumentar a segurança, a saúde das pessoas dessas regiões", finalizou Flávio Alves Lara, que é pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz.